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" subheadline="<span class="btArticleDate">28 de maio de 2019</span>" font="" font_weight="bold" font_size="" color_scheme="" color="" align="" url="" target="_self" html_tag="h1" size="extralarge" dash="" el_id="" el_class="" el_style="" supertitle_position=""]
Parada do orgulho LGBTI no Rio, em 2018 Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Tramitam há mais de seis anos no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 (impetrada pelo Cidadania, ex-Partido Popular Socialista) e o Mandado de Injunção nº 4.733 (impetrado pela ABGLT). As duas ações vêm sendo julgadas juntas porque ambas dizem respeito à criminalização da LGBTIfobia. Pedem que seja definido um prazo para o Congresso Nacional legislar sobre esse assunto em virtude da mora vivenciada até então, e/ou que a LGBTIfobia seja equiparada ao crime de racismo.

No STF o proferimento dos votos dos/das ministros/as relativos a essas ações entrou na pauta no dia 12 de dezembro de 2018. No entanto a votação acabou sendo adiada e foi remarcada para o dia 13 de fevereiro de 2019, quando quatro ministros deram voto favorável, antes da votação ser suspensa: Celso de Mello (relator da ADO 26), Edson Fachin (relator do MI 4733), Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, já indicando uma decisão no sentido de que a LGBTIfobia deveria ser punida como o racismo até que o Congresso legisle sobre o tema.

No ínterim até a retomada da votação marcada para o dia 23 de maio de 2019, o Congresso Nacional começou a agir em relação a uma propositura de legislação que criminalizasse a LGBTIfobia, sendo que no dia 22 de maio a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou em primeiro turno um projeto nesse sentido. O projeto (PL 672/2019) é de autoria do senador Weverton Rocha (PDT-MA), mas foi aprovado na forma de um substitutivo proposto pelo relator Alessandro Vieira (Cidadania-SE), acrescentando outros comportamentos discriminatórios, como a coibição da manifestação razoável de afetividade em público e a intolerância, ao mesmo tempo em que preserva a liberdade religiosa, dentro do espaço próprio dos templos. Por se tratar de um substitutivo, o texto terá de passar por nova votação na CCJ, onde poderá sofrer novas modificações. Se aprovada pelo Senado, a proposta seguirá para análise da Câmara dos Deputados.

O fato do Senado ter avançado com o processo legislativo a respeito da criminalização da LGBTIfobia fez com que a sessão do STF que julgaria a mesma matéria no dia seguinte (23/5), começasse com uma votação para decidir se haveria continuidade do julgamento da ADO 26 / MI 4733. Por 9 votos a 2, o Tribunal votou a favor da continuidade da votação.

A decisão do STF de continuar com a votação foi civilizatória, na qual prevaleceu o entendimento de que a mera existência de projetos de lei no Congresso Nacional não é garantia de que venham a ser votados e aprovados, a exemplo do Projeto de Lei da Câmara 122/2006 que tratava de mesmo assunto e após mais de uma década de tramitação veio a ser engavetado. Ainda mais porque, como destacou o ministro Luiz Fux, o papel de legislar é do Congresso, mas, diante do fato de que deputados apresentaram pedido de impeachment contra ministros do Supremo que já haviam votado favoravelmente às duas ações no dia 13 de fevereiro deste ano, deve prevalecer a independência do Judiciário. E mais, nas palavras da Ministra Rosa Weber: “Quem é atacado, discriminado, tem pressa”, ou seja, diante do quadro de discriminação, violência e assassinatos motivados por LGBTIfobia e caracterizados por impunidade não se pode mais ficar aguardando para que eventualmente o Congresso Nacional reverta a postura que tem prevalecido desde a Constituinte de 1988: a não aprovação de projetos de lei que dizem respeito à proteção jurídica de comunidade LGBTI+.

Assim, a votação no STF continuou no dia 23/5 e, com os dois votos favoráveis da ministra Rosa Weber e do ministro Luiz Fux, somados aos quatro votos favoráveis proferidos no dia 13 de fevereiro deste ano, a maioria dos/as ministros/as da Suprema Corte já votou pela equiparação da LGBTIfobia ao crime de racismo. A votação deverá ser concluída nesse sentido no dia 5 de junho.

Entre as assim chamadas minorias sociais brasileiras, a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+) é a única que ainda não possui legislação federal específica que a proteja contra a violência e a discriminação.

Segundo informações divulgadas pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) há muitos anos mais de 300 pessoas LGBTI+ são assassinadas no Brasil anualmente, presumidamente por motivo de LGBTIfobia. Em 2018, a entidade registrou 320 assassinatos (comparado com 387 em 2017 e 343 em 2016). Por meio do Disque Denúncia, em relação à população LGBTI+ no ano de 2017, o Ministério dos Direitos Humanos informou que houve um total de 1.720 denúncias de violações de direitos humanos e que entre estas denúncias, 193 eram de homicídios. O número de homicídios foi 127% maior que o registrado em 2016 por essa fonte (85 denúncias).

Mundialmente, o Brasil se destaca em primeiro lugar no que diz respeito ao número de assassinatos de pessoas LGBTI+. A falta de legislação específica que proporcionasse proteção jurídica contra esse tipo de crime tem contribuído em muito para a perpetuação da impunidade e dos elevados níveis desses crimes.

No caso da garantia da segurança jurídica da população LGBTI+, o STF agiu onde o Congresso foi omisso, não só com relação à criminalização da LGBTIfobia, como também à união estável/casamento igualitário (2011), à adoção de crianças por casais do mesmo sexo (2015) e ao direito à identidade de gênero das pessoas trans (2018), pondo em prática diversos princípios constitucionais, entre eles a dignidade humana e a igualdade perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Parafraseando o assim chamado decano do STF, o ministro Celso de Mello, essas decisões não são para desafiar o Congresso Nacional, e sim para enfrentar a discriminação e a violência das quais a comunidade LGBTI+ tem sido objeto.

É oportuno também lembrar que esse avanço com a criminalização da LGBTIfobia, após décadas de inércia, vem justamente no marco dos 50 anos da Rebelião de Stonewall (28 de junho de 1969) e do começo da atual luta pela cidadania e pela dignidade da comunidade LGBTI+, que teve seu início no Brasil por volta do ano 1978. Deve-se ressaltar também que a luta pela cidadania plena e pela realização da igualdade de direitos da comunidade LGBTI+ ainda não acabou. É preciso também avançar com outras questões.

Mundo afora está tomando um vulto o movimento em prol das pessoas nascidas intersexo (a letra “I” da nossa atual sigla), para que não sejam mutiladas quando ainda bebês ou crianças a fim de que estejam genitalmente em conformidade com determinado sexo que, mais tarde na vida, pode não ser aquele com o qual se identificam, e sim deixar para quando chegarem a uma idade em que tenham o discernimento para saber o que é melhor para elas, entre outras questões inerentes às pessoas intersexo. A legislação em vigor em Malta desde 2015 é um exemplo de vanguarda nesse sentido.

A partir de uma perspectiva lógica, de certa forma talvez tenha havido uma inversão na sequência das conquistas ocorridas no STF. A mais importante veio por último: a de salvaguardar a vida humana. Mas o importante é que estamos chegando lá e que a efetivação dessas garantias se deu em um espaço de apenas oito anos, atendendo à maioria das principais reivindicações existentes há décadas no movimento LGBTI+ e geralmente relegadas ao segundo plano pelos poderes constituídos: como se fosse um tipo de demanda vista como sendo de importância secundária diante de outras questões sociais urgentes no Brasil.

Muitas pessoas e diversas instituições se desempenharam e uniram esforços para que estas conquistas fossem alcançadas. É uma prova de que a organização, a solidariedade, o diálogo e a razão podem e devem contribuir para provocar mudanças sociais positivas, que não prejudicam os direitos de ninguém, e sim contribuem para uma sociedade mais plural, justa e igualitária, em consonância com o espírito essencial da Constituição Federal. Mesmo assim, a criminalização da LGBTIfobia não será a solução por si só. É o primeiro passo, mas não é o único, de uma grande caminhada. Além disso, faz-se necessária uma educação para o respeito às mulheres, aos evangélicos, às pessoas LGBTI+, às pessoas negras… enfim, o respeito a todas as pessoas sem exceção.

Fonte: https://epoca.globo.com/o-stf-a-lgbtifobia-uma-decisao-civilizatoria-opiniao-23694079

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